Cernache é uma freguesia portuguesa do concelho de Coimbra, com 19,55 km² de área e 3.871 habitantes (2001). Densidade: 198,0 hab/km².
Foi vila e sede de concelho entre 1420 e 1836. O município era constituído por uma freguesia e tinha, em 1801, 1.638 habitantes
Localização
Situada no extremo sudoeste do concelho, de que é a segunda maior freguesia, dista dezoito quilómetros da cidade de Coimbra.
Povoações da Freguesia
- Cernache
- Casconha
- Casa Telhada
- Feteira
- Loureiro
- Malga
- Orelhudo
- Picoto
- Pousada
- Telhadela
- Venda do Cego
- Vila Nova
- Vila Pouca
Outros Lugares: Arneiro, Azenha, Bairro dos Moinhos, Barroca, Casal dos Docinhos, Casal de São Bento, Casal de São Lourenço, Cimo do Olival, Lameira de Baixo, Lameira de Cima, Paul, Penedo Alto, Ribeira de Casconha, Ribeira de Cernache, Ribeira de Pão Quente, Tirado, Urbanização da Moita Santa e Vale Centeio.
História
Numerosos vestígios atestam a presença dos povos hispano-romanos na freguesia, mas é com a fixação da capital em Coimbra, no reinado de D. Afonso Henriques, que se inicia o desenvolvimento da povoação. Ao tempo, graças às influências dos mosteiros dos cónegos regrantes de Santo Agostinho e de Celas, que aqui possuíam extensas propriedades.
Desse tempo, restam alguns rodízios na ribeira de Cernache e seus inúmeros pequenos afluentes, a testemunhar a importância de tal actividade no passado. Na verdade, grande parte dos cereais consumidos em Coimbra foi durante séculos farinada pelos moleiros desta freguesia, que cobravam uma certa maquia estabelecida pela Câmara da cidade.
Cernache foi concelho, com Câmara e todos os funcionários administrativos e judiciais necessários, chamando-se então Cernache dos Alhos, pela abundância e boa qualidade destas liliáceas que os seus campos férteis produzem. É daqui que sai também a maior parte da cebola que se vende enrestiada nas feiras de São Bartolomeu em Coimbra ou nas de Soure e Montemor.
Elevada a vila em 1420, por carta de D. João I, que entregou o senhorio a seu filho D. Pedro, duque de Coimbra, Cernache recebeu mais tarde o seu foral, concedido por D. Manuel I, em 15 de Setembro de 1514, mercê que o decreto de 6 de Novembro de 1836 suprimiu.
Da sua história ressaltam, ainda, os donatários ilustres. Assim, no século XVI, foi de Gonçalo Nunes Barreto, a quem D. Fernando concedeu a jurisdição civil, em 1376. O infante regente D. Pedro doou a povoação, juntamente com Almalaguês e Sobreiro, a Guilherme Arnao, fidalgo inglês vindo no séquito da rainha D. Filipa, como mordomo. Muito ligado ao infante, morreu com ele na batalha de Alfarrobeira. Dele descendem os Arnaut.
A sede da freguesia, que começou a estender-se ao longo da Estrada Nacional n.º 1, esteve desde tempos muito antigos ligada a Coimbra. Nas imediações passava a estrada romana de Lisboa a Braga, e os peregrinos chegavam a esta vila, onde Álvaro Anes de Cernache fundara um hospital e uma albergaria especialmente para os acolher. Sobre esta escreveu Giovanni Confalonieri, em 1594: "Tem uma hospedaria bem cuidada, com serviço de pratos, por certo parecido com Itália".
Património
Quinta dos Conde de Esperança
À entrada de Cernache, assinalada por um torreão de gosto romântico, fica a antiga Quinta dos Conde de Esperança, com o seu parque agradabilíssimo de grutas e altos plátanos, que já teve fama de ser uma das melhores do País. Foi adquirida pela Companhia de Jesus, que ali instalou um bem apetrechado colégio dirigido pelos padres jesuítas.
Igreja matriz
A igreja matriz testemunha o passado histórico da vila, apresentando vestígios dos séculos XIII-XIV, românicos, na sacristia e capela-mor. O corpo, renascentista, sofreu grandes ampliações no século XVI, ganhando um notável efeito decorativo no interior, por causa das suas elegantes capelas laterais. Possui ainda um notável conjunto de obras de arte, de que se destacam a estatuária pétrea da Renascença coimbrã, uma credência, também de calcário de Ançã, da época de D. João V, os azulejos, datados de 1770 e fabricados em Coimbra, e o retábulo maneirista. Na capela do Santíssimo, a merecer a maior atenção é o famoso relevo de alabastro de Nottingham, considerada a mais bela escultura de todas quantas se fizeram em Inglaterra no século XIV. Representa a Coroação da Virgem e terá vindo para Portugal com o séquito de D. Filipa de Lencastre, pela mão de Guilherme Arnao, senhor da povoação.
Museu Moinho das Lapas
Dos 72 moinhos outrora existentes na freguesia de Cernache, restam, ao longo da ribeira que atravessa a vila, o moinho das Lapas agora transformado em museu, o moinho do José Café transformado num pequeno museu particular da actual proprietária Amélia Póvoa, o moinho do António Póvoa, parcialmente conservado com os seus pertences e o moinho do "Sono", o único ainda em actividade.
Os restantes ou foram demolidos ou encontram-se degradados ou mesmo em ruína. Sobre os moinhos e moleiros de Cernache veja-se o livro com o mesmo título, n.º 8 da série "Coimbra Património" editado em 2007 pela Câmara Municipal de Coimbra, à venda na Casa da Cultura.
Economia
Cabeça do aeródromo de Coimbra, o Aeródromo de Cernache estende-se pela freguesia vizinha, que agora o reclama como seu.
A antiga vila viu desaparecer as suas indústrias tradicionais, a da moagem e a de escovas e vassouras, para, em seu lugar, surgirem as indústrias de cerâmica, alimentares e muitas outras de menor dimensão.
Tradições
Fazem parte da memória dos mais velhos, os serões bem passados com danças e cantares típicos dos trabalhos de lavoura, que se realizavam no final da apanha da azeitona e nas desfolhadas. Actualmente, estas tradições são recuperadas pelos grupos de folclore locais e apresentadas nas festas, romarias e festivais de folclore. Por outro lado, estes grupos recuperaram igualmente alguns cantares de cariz religioso que, ainda hoje, se ouvem aquando das procissões, das Janeiras, dos Reis e do Natal.
Trajes Característicos
De acordo com documentos antigos desta região, os trajes de ceifeiros, da eira e de feira, entre outros, foram recuperados pelos grupos de folclore locais, podendo ser apreciados nas suas actuações em congressos, festas e festivais folclóricos.
Jogos e Brinquedos Tradicionais
De acordo com as memórias dos mais velhos, recuperaram-se, do século XIX, os jogos da malha, do burro, do fito e do pião, entre outros, que ainda hoje se praticam, nas reposições culturais levadas a efeito pelas associações culturais e pela Junta de Freguesia. Recuperaram-se igualmente alguns brinquedos como, o “Pé Descalço”, manufactura em cana, ervas, noz, trapos, barro e corda, para além de outros materiais, que podem ser encontrados na Associação Desportiva e Recreativa do Loureiro, nas Exposições e em Congressos Nacionais e Internacionais.
Lendas
Lendas da Nossa Senhora dos Milagres
Ao culto a Nossa Senhora dos Milagres anda associada uma interessante lenda, supondo-se constituir uma das razões — porventura a principal — do abandono, em Cernache, do culto à sua padroeira. A mais antiga escultura existente na Igreja de Cernache é a de Nossa Senhora dos Milagres. Ocupa o altar colateral esquerdo. Trata-se de um trabalho em pedra de Ançã, do século XIV, sobre o qual Frei Agostinho de Santa Mana escreveu no seu Santuário Mariano com o título da milagrosa Imagem de nossa Senhora dos Milagres, da Vila de Sernache:
“O Altar collateral da parte do Evangelho he dedicado à Mãy de Deos com o título dos Milagres, aonde em hu grande & rico tabernaculo com sua tribuna, se vê collocada a miraculosa Imagem da Senhora em hum levantado trono. He esta sagrada Imagem de escultura formada de pedra de ançãa & para mayor veneraçaõ a tem cuberta de roupas com rico manto, & as Suas devotas, que a vaõ vestir lhe põem muytas fitas, que pelo pouco alinho com que estaõ postas, o julgáraõ muytos por adorno bem escusado; porque nas Imagens da Mãy de Deos, saõ escusadas estas fitarias tão mal acomodadas e sem concerto. Tem esta sagrada Imagem cinco palmos de estatura, & sobre o braço esquerdo ao Menino Deos, também adornado de roupas, & ambas as Imagens tem coroas de prata douradas, grandes, & bem lavradas. E assim a Senhora como o soberano Menino são de rara fermosura: poem à Senhora tambem toalha, & com ella se parece muyto com a Senhora da Penha de França de Lisboa; & assim me pareceo quando fuy a veneralla em aquella Igreja.
Da origem desta sagrada Imagem se não sabe nada por escrituras authenticas, nem por memórias escritas, só por tradições consta, que milagrosamente viera ‘aquelia Igreja. Diz a tradiçaõ, que esta Imagem viera das partes de Lisboa; & que hia sobre hua mula para Coimbra, & que a mula se encaminhára para a Igreja, & que nefla parára, & que por mais diligencias, que se fizerão, a não pudérão mover, a que desse mais hum passo. À vista deste grande milagre tratáraõ de coliocar a Senhora em aquella Igreja, que se entendeo ella buscava. Por esta maravilha se lhe impoz o título dos Millagres; porque se lhe não soube outro. Isto he o que a tradiçaõ affirma."1
Aparição da Nossa Senhora dos Milagres
Na egreja de Cernachee ha uma imagem, que tem n'um dos braços, ao collo, o menino de Deus, muito per feita e de rara formosura, que representa Santa Maria, sob a invocação de Nossa Senhora da Assumpção orago da freguezia, no culto que se lhe presta sob a invocacão de Nossa Senhora dos Milagres. Essa imagem, segundo reza a tradicção e nos é transmittida por Fr. Agostinho de Santa Maria, deu entrada milagrosamente naquella egreja, pois que vindo das partes de Lisboa em uma mula para Coimbra, a mulla se encaminhou para a egreja e junto d'ella parou, nau se conseguindo. por mais diligencias que se fizeram, que desse mais um passo. À vista deste milagre, e a pedido do povo “a imagem deu entrada na egreja que se entendeu ella buscava” e ahi, na parede do arco cruzeiro da capella mor, lado esquerdo. se mandou construir um altar com seu levantado throno para n'eIle ser collocada, como de facto o foi.
O povo, sempre imaginoso, pinta em seus ingenuos cantares, e com alegres cores, a apparicão de Nossa Senhora dos Milagres, e cuida, confiado em sua não desmentida crença. que ella, como mãe carinhosa e desvelada, nunca lhe faltará todas as vezes que lhe dirija com sincera e verdadeira devoção. Analvsando esta lenda julgamos bem interpretal-a, e achar-lhe o seu verdadeiro significado, dizendo que a imagem de Nossa Senhora dos Milagres e a do menino de Deus foram feitas em Coimbra por encommenda do padroeiro leigo da egreja, que por esse tempo vivia em Lisboa, devendo por esta razão ter sahido d'esta para aquella cidade o dinheiro ou ordem de pagamento das esculpturas, e estas de Coimbra para Cernache, a cuja egreja decerto ellas se destinavam.
A pedra de Ançã de que as imagens são feitas, a proximidade d'aquele logar, cerca de dez kilometros ao norte de Coimbra, a excellencia da factura das esculpturas, que os artistas da mesma cidade podiam sobre todos os outros do paiz executar a primor, por ter sido em Coimbra no seculo XVI, onde essa arte attingiu a maior perfeição, justificam o nosso parecer. Por esta epocha, 1583, data que encima a capella de Nossa Senhora dos Milagres, o padroeiro secular era representado por D. Isabel da Silva, filha de D. João d'Athavde, á qual se deve, é de suppor, o altar de Nossa Senhora dos Milagres e competentes imagens: e a D. João Goncalves d'Athavde, 4.° Conde d'Athouguia, homem rico, se deve a ampliação da egreja em cujo frontespicio se via a data de 1594, epocha do seu acabamento. O 4.º titulo de Conde d'Athouguia foi concedido em 1588, por ter fallecido sem filhos, em 1581, o 3.° conde do mesmo titulo, D. Luiz d'Athavde, vice-rei da Índia.
Quanto ao culto de Nossa Senhora, mãe de Deus, sob a invocação de Nossa Senhora dos Milagres, é elle muito antigo. e tanto assim, que em 08 de Outubro de 1721, o escrivão da Camara de Cernache, Christovão Camello Leitão, que não desconhecia a data que encinlava a capella de Nossa Senhora e a do frontespicio da egreja. Dizia; “que do anno da instituição da confraria de Nossa Senhora dos Milagres não havia memoria, constando porem da Bulla do Papa Paulo V, de 15 de fevereiro do anno de 1607, ser unida á Archiconfraria de S. Jeronvmo da cidade de Roma”. Em presença d'estes (actos de presumir que a instituição da irmandade de Nossa Senhora dos Milagres seja bastante anterior a 1583 e por ventura quasi coeva da factura da primitiva egreja, em que a fé estava viva e os milagres de Santa Maria se repetiam, passando-se por este motivo, e desde logo, a celebrar o culto de Santa Maria sob duas invocações, uma a de Maria Santíssima, mãe de Deus, debaixo do titulo de sua triumphante Assumpção e outra, a de Nossa Senhora dos Milagres. que a nova imagem veiu definitivamente consagrar, separando-se assim os dois cultos em conformidade com as respectivas imagens.
Cumprehendida pelo modo que expusemos a apparição de Nossa Senhora dos Milagres, o episodio não passa d'um facto natural, mas a poesia religiosa, que o povo teceu em volta da formosa imagem, perde a graça. O encanto, o frescor das almas simples. Sendo preferivel talvez que nós o tivessemos deixado ticar na "pureza; antiga" repetindo-lhe com o poeta: — que "n'ella durma… sonhe… e não acorde mais!"2
Personalidades
Álvaro Anes de Cernache
Um dos mais ilustres filhos da terra foi, porém, Álvaro Anes de Cernache, que foi porta-bandeira da Ala dos Namorados na Batalha de Aljubarrota e anadel-mor dos besteiros a cavalo.
Belchior da Fonseca
O pintor Belchior da Fonseca seria possivelmente natural de Cernache, pois aqui residiu na segunda metade do século XVI.
Ligações externas
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