Machio de Baixo é uma aldeia da freguesia de Machio, no concelho de Pampilhosa da Serra.
Esta bonita aldeia fica situada na encosta sul duma das vertentes da chamada cordilheira central, no prolongamento da serra da Lousã, mesmo ao lado do Cabeço Murado entre os rios Zêzere e Unhais.
Tem vista privilegiada sobre a Serra da Lousã e a sua principal característica assenta no contraste entre o olival que está por todo o lado e o casario disperso no meio dele, sendo envolvida por grande abundância de pinheiros e matos que asseguram um casamento perfeito entre as cores da natureza e o aroma dos seus ares.
Os naturais têm espírito criativo e alegre e, são divertidos e foliões, não enjeitando quaisquer oportunidades onde a animação ou o passeio possam surgir, entre ajudando-se nas múltiplas tarefas do dia a dia, porque ainda fazem da união e da solidariedade a sua bandeira.
História
No Livro 3 da Beira, Leitura Nova (Chancelaria de D. Manuel I), vemos que já no princípio do Séc. XVI a região onde se encontram os Machios eram "terras do reguengo" (ou terras do rei), das quais o rei fazia doações. Supõe-se que naquele tempo, Machio e outras aldeias não seriam mais do que pequenos povoados ou casais, com vastas extensões de terras doadas a "moléres". A zona, era pouco povoada e procedia-se ainda ao desbravamento e aforamento de terras por desbravar, estando a tarefa de doar as "terras do reguengo", cometida ao juiz e almoxerife dos direitos reais.
Também se vê, que os soutos de castanheiros e a produção de castanha eram importantes, entrando até no pagamento dos foros a castanha pisada, ou pilada, "Aforamento de 1520 ao almocreve João Rodrigues, de courela no souto do Reguengo de EL-Rei, na aldeia nova" .
O povoamento da região foi lento e os primeiros povoadores fixaram-se nos sítios de mais fácil defesa. A população da região de Machio, supõe-se que a área da actual freguesia menos a Maria Gomes (lato senso), era em 1868 de 66 fogos e 270 habitantes e, em 1930 de 162 fogos e 776 habitantes. Verificamos pois que a população tem vindo a diminuir, como aliás na maioria do concelho.
Tudo indica que, historicamente , a fundação dos Machios terá ocorrido em finais do século XV e início do século XVI, tendo os primeiros povoadores sido provavelmente judeus ou cristãos novos (judeus convertidos à força por D. Manuel I), que ali se refugiavam na esperança de fugir aos "Autos de Fé" a que estavam sujeitos. Aliás, se falarmos com as pessoas mais idosas, apercebemo-nos que existem ainda vários sinais na língua e nos costumes populares, como sejam em algumas ladaínhas falar-se do "Judeu errante", "da portagem do rio Jordão", "do poço das águas sagradas", ("milquevê"), etc.
A valorização da Festa da Páscoa em relação às outras festas religiosas, talvez a lembrar a importância da "Pessah" (êxodo dos judeus no deserto do Sinai). As marcas deixadas em algumas ombreiras de portas (mesusá – onde se guardava a shéma, a mais preciosa das orações), as festas dos Maios e das cruzes, de índole judaico-cristã, das quais ainda hoje se encontram vestígios nas propriedades e nas casas mais antigas. Também nas palavras feitas orações , na hora de cozer o pão, de uma tarefa quotidiana, de curar uma maleita, enfim, na exorcização de medos e angústias, encontramos termos como: "Monte Sinai"; "Rei David"; "Casa Santa de Jerusalém"; "Pelo trigo da Judeia", "Rebanho preso de Sheol"; "lá nos campos de Judafaz", e outros, que bem denotam origens judaicas.
Século XX à actualidade
É logo na primeira década deste século, que Machio de Baixo começa a dar sinais que quer sair do marasmo em que se encontrava. Por esta altura, surgem casamentos de pessoas de fora para lá, as quais sendo portadoras de ideias e mensagens diferentes, originaram algumas mudanças.
Depois, alguns naturais serviram nas fileiras do exército português logo na 1ª Grande Guerra e, trouxeram ao regressar novas ideias e algum dinheiro vivo, os quais, juntamente com outros machienses que também por essa altura já haviam ido trabalhar para o porto de Lisboa, originaram as primeiras mudanças com algum significado nos hábitos e viver, tendo-se finalmente deixado de comer só batatas e couves e, começado a usar o arroz e o açúcar e, até algum peixe. Por outro lado, na década de 30, muitos machienses começaram a ir para as mondas, para a azeitona ou para a ceifa, nos campos do Ribatejo ou do Alentejo, fazendo com que novas aprendizagens surgissem e, em consequência novas mudanças, agora até e especialmente no modo de trabalhar a terra.
Mas, as grandes transformações deram-se após a imigração da maioria dos homens para Lisboa, a qual no princípio da década de 40 começou a ter algum significado, tendo continuado por algumas décadas até hoje, onde já estão os machienses da 4ª geração. Os primeiros, ao voltarem, trouxeram as boas botas, que substituíram os velhos tamancos, os tecidos garridos deram origem aos primeiros vestidos e saias, bem mais airosas do que a saragoça e a velha sarja. Também os hábitos alimentares foram definitivamente modificados, tendo-se passado a conhecer o pão para além da broa. Mas, de todas as mudanças ocorridas, provavelmente, foi a vinda de dinheiro que mais transformou o Machio, tendo aparecido casas novas e diferentes e sido alteradas as relações de trabalho, com dias pagos e compra de novos produtos que então começavam a surgir, tendo-se até começado a chamar o médico e a pagar-lhe em dinheiro, em vez de serem galinhas, ovelhas, cordeiros ou, outros artigos.
Gradualmente, foram melhorando as condições de vida. Em 1957 foi construída a primeira estrada em terra batida até Machio de Cima e, deste até ao Cabeço Machio, onde já passava a estrada para a Pampilhosa da Serra e, as primeiras camionetas começaram a visitar-nos para bem estar geral e grande alegria das crianças, que sempre aproveitavam para se pendurarem. Deixava pois de ser necessário ir apanhar a camioneta para Lisboa à Louriceira ou a Santa Margarida, ou o "gasolino" ao Trinhão, já que a "velha ramona", fazia o transporte normal de passageiros, numa viagem que demorava quase um dia e da qual se saía todo partido e "muito bem empoeirado". Os Costas, de Machio de Baixo e depois outros, prestaram de facto à altura um serviço de grande utilidade pública com as suas viagens pioneiras e clandestinas para Lisboa, as quais eram autênticas "carreiras" quase regulares, com paragem em todas as zonas da serra, o que faziam numa 1ª fase de 15 em 15 dias e, depois, semanalmente.
Veio depois o telefone, por volta de 1958 e, já passou a ser possível chamar o médico quando alguém estava doente ou, saber notícias de algum familiar hospitalizado em Lisboa, praticamente as únicas alturas em que eram utilizados, dado o seu elevado preço.
Mas, em 1965 assistia-se a um dos melhoramentos mais ansiados, a inauguração da água canalizada distribuída por fontanários públicos e bebedouro para animais, na povoação. Abandonavam-se assim os velhos poços de chafurdo e, as idas em romaria à Fonte Nova com os cântaros à cabeça para trazer a água para beber, cozinhar ou, para lavar a casa ou o corpo, já que banho, esse só era possível na Ribeira (Rio Unhais), para onde se ia sempre que era preciso lavar algumas roupas mais exigentes ou, para levar o milho para o velho moinho de água e, daí trazer a farinha.
E, eis que em 1973 com a chegada da electricidade a Machio, começa a grande revolução nos hábitos e nos costumes. Quase todos puseram electricidade em casa, arrumando-se no sótão a velha candeia de azeite e o candeeiro a petróleo. A par da iluminação eléctrica, apareceram alguns anos mais tarde os primeiros frigoríficos, tendo as primeiras televisões chegado já na década de 70.
Festas e tradições
Na Festa Anual, introduzem-se variantes e a "Ronda", feita na Segunda Feira a seguir à Festa (actualmente no penúltimo fim de semana de Agosto), com início no cimo do lugar e terminús no fundo deste e depois na Casa Recreativa é a mais significativa, atingindo o seu máximo com os tocares das guitarras, concertinas e ferrinhos e as cantigas ao desafio por toda a aldeia, enquanto o povo, quase em peso, vai passando pelas mesas bem recheadas para petiscar à porta de cada casa, fazendo regra geral ali o bailarico a preceito. O objectivo deste cortejo, é a recolha de fundos para a União Progressiva de Machio de Baixo , utilizando-se as famosas "varas", das mulheres e dos homens, que dadas a cheirar ao visitado terá que corresponder com algumas notinhas e, conforme o seu comportamento, conforme o número de foguetes e morteiros com que é brindado.
Mais recentemente, novos convívios foram aparecendo e, à medida que o número de reformados vai crescendo, tem cada vez mais significado a Festa dos Reformados, a qual tem já fortes raízes na tradição de Machio. A primeira destas, ocorrida em 1971, terá sido mais uma acção em que Machio de Baixo terá sido pioneiro, pois não se constava que antes disso outras aldeias tivessem promovido tal evento.
Aliás em matéria de confraternização, convívio e luta pelas tradições, bem podemos dizer que Machio de Baixo está sempre na primeira fila. As embaixadas com duas e três dezenas de mascarados a rigor enviadas às aldeias vizinhas e à Pampilhosa da Serra, onde os "artistas" e os seus 30/40 acompanhantes entram sempre em fila e aos pares ao toque de 2/3 concertinas, um harmónio e guitarra e ferrinhos, para conviver e com todos brincar e fazer um bailarico a lembrar outros tempos, é disso bem exemplificativo.
Economia
O dia a dia dos machienses aqui residentes, é, como não poderia deixar de ser, o de um ambiente rural duma aldeia do interior. As actividades campesinas só são abandonadas aos domingos e dias santificados, sendo "proibido" nestes dias mexer na terra. O trabalho é árduo, para que se possa arrancar às terras pobres da região o sustento do dia a dia, daí a necessidade de sair da aldeia, em busca de uma vida melhor.
Como todo o português, o machiense quer voltar às origens, por isso, alguns, felizmente muitos, têm regressado à terra que os viu nascer, agora com reformas capazes de lhes proporcionar melhor bem estar, não deixando no entanto de continuar a tirar da terra a batata e o azeite, que há gerações vem sendo o sustento da nossa gente.
Todos têm os seus bocados de terra, denominados hortas. Estas, que antigamente se situavam quase sempre nos muitos vales ao redor da aldeia, por vezes a alguns quilómetros em socalcos cravados nas serranias, são hoje abandonadas, privilegiando-se os bocadinhos próximos da aldeia. Machio de Baixo, que é ladeada por extensas serranias, era antigamente cercada por vastas extensões de olivais e de pinheirais, tendo estes desaparecido devido aos grandes incêndios que assolaram a região a partir dos finais da década de 70, originando o deserto vegetativo a que assistimos durante alguns anos.
Gradualmente, têm-se vindo a fazer o repovoamento florestal da região, mas nem sempre do melhor modo, dado ter sido conseguido à custa da plantação de imensas áreas de eucaliptos, que, como sabemos provocam a secura e a erosão dos solos onde se encontram, acelerando a sua desertificação progressiva.
Mas nem por isso as belezas naturais diminuíram. O ar puro, fresco e saudável, aromatizado com cheiro a pinheiro, eucalipto, rosmaninho, carqueja, moitas e outros matos, é permanente e, faz com que esta terra seja ainda um autêntico paraíso sem poluição. As hortas e o imenso olival que se estende por toda a aldeia, têm também o seu encanto, quer pela variedade de árvores existente e pelas suas formas, quase sempre quadrangulares, mas também porque estão sempre exímiamente bem cuidados.
As vistas panorâmicas que daqui se podem observar, têm também uma beleza rara, fazendo com que muitos machienses ali vão com frequência "encher os olhos de verde", pois que, de todos os locais estão ao seu alcance alguns quilómetros de floresta ou, para uma bela banhoca no Rio Unhais, que fica a cerca de 2 kms ou, no Zêzere a 10 kms, quando o tempo a isso convida.
Património
Complexo Desportivo e Social
O ex-libris actual de Machio de Baixo é o seu "Complexo Desportivo e Social", pensado para atrair a juventude e garantir a sua ida à aldeia no futuro. A sua construção decorreu entre o final de 1999 e o de 2001, tendo sido inaugurado em 9 de Fevereiro de 2002 com a presença do Sr. Governador Civil de Coimbra, Prof. Horácio André Antunes, do Sr. Presidente da Câmara Municipal Pampilhosa da Serra, Sr. Hermano Manuel de Almeida e dos Srs. Vereadores, José Brito e António Sérgio.
Neste complexo, existem para além do campo de jogos polivalente propriamente dito com todas as suas infraestruturas associadas (vestiários, balneários e arrecadações), um parque infantil, uma zona para jogos antigos tradicionais , um palco associado ao recinto para festas, um Bar e um "Barbecue" para funcionar nessas alturas e, um espaço para Parque de Merendas. No empreendimento, a primeira obra de Machio de Baixo com impacto em termos urbanísticos, fica ainda um espaço disponível apreciável, para mais tarde fazer uma piscina, um centro de dia, ou outro qualquer evento, estando situado num local privilegiado dentro da aldeia.
Barragem
Mas um sonho recente de alguns machienses, começa agora a ganhar apoiantes e, constitui porventura o maior desafio em termos potênciais numa óptica de desenvolvimento da região.
Trata-se duma Barragem na zona términus da actual Barragem do Cabril no rio Unhais, imediatamente a montante desta e em local próximo de Machio de Baixo, a qual contribuiria sem dúvida para o desenvolvimento da zona sul do concelho, estimando-se que a sua albufeira possa ir até à própria vila de Pampilhosa da Serra.
Sabemos já que, um projecto desta natureza só pode ser desenvolvido por empreendedores privados, reservando-se as entidades públicas ( Câmara , Cenel, etc.), a comparticiparem ou entrarem com uma parte do capital numa sociedade a constituir. O projecto, do tipo mini-hídrica, permitiria revitalizar o turismo e valorizar o potêncial de toda a região sul do concelho da Pampilhosa, dado que poderia ser aproveitado por cerca de 20 aldeias, gerando riqueza a partir da energia eléctrica produzida, das pescas e da revitalização da flora e, sem dúvida, criando alguns postos de trabalho directos e indirectos, que bem falta fazem para ajudar à fixação de mão de obra no nosso concelho, para além de muitas outras vantagens que dali poderiam advir na área do turismo e recreio.
Consideramos pois que Machio de Baixo está no bom caminho, e que os machienses bem podem com orgulho lembrar e dar a conhecer a sua história, cheia de grande sofrimento, mas eivada duma vontade férrea de vencer, o que lhes permite olhar para o futuro com a tranquilidade necessária, por saberem que, a determinação, saber e empenho dos seus naturais, tudo consegue, menos demover as grandes serras que os rodeiam e de que tanto gostam.
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